Câmara abre processo de impeachment contra Dilma. O que vem agora?
Para mais de dois terços dos deputados, presidente cometeu crime de responsabilidade ao praticar pedaladas e assumir gastos não autorizados pelo Congresso. Senado decidirá sobre afastamento
João Paulo Charleaux | Nexo
Brasília – A Câmara dos Deputados aprovou neste domingo (17) a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Às 23h08, os parlamentares favoráveis à saída da petista obtiveram 342 votos, os dois terços necessários para que o caso seguisse adiante. Veja o resultado final:
367
Votaram “sim”
137
Votaram “não”
7
Abstenções
2
Ausências
Oficialmente, os deputados sustentam que Dilma deve deixar a Presidência porque cometeu “crime de responsabilidade” em duas situações.
Razões para o impeachment
- – efetuar gastos não autorizados pelo Congresso por meio de seis decretos editados em 2015
- – atrasar o repasse de recursos financeiros para bancos públicos, nas chamadas “pedaladas fiscais”
As acusações constam no pedido de impeachment feito pelos advogados Janaina Paschoal, Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo, acolhido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, no dia 2 de dezembro de 2015.
Os discursos durante os votos em plenário, porém, pouco fizeram referência a manobras fiscais. Corrupção, crise econômica, pressão popular, além de menções à família e a Deus, estiveram mais presentes nas falas.
Politicamente, a aprovação da abertura do processo de impeachment só foi possível a partir de uma aliança entre a oposição, liderada pelo PSDB, e ex-aliados do governo Dilma, capitaneados pelo PMDB de Cunha e do vice-presidente Michel Temer, que herdará o cargo em caso de afastamento da petista.
A abertura do processo ocorre num cenário adverso para a presidente, eleita pela primeira vez ao Palácio do Planalto em 2010 e reeleita em 2014.
Cenário negativo
Lava Jato
A maior investigação sobre corrupção política na história do Brasil, a Lava Jato, ainda está em curso e põe sob suspeita não apenas membros do governo atual, mas também personagens que assumiriam postos importantes num novo governo. Temer, Cunha e Renan, três das figuras mais importantes da República, foram citados no esquema.
Crise Econômica
Se Dilma de fato cair, o novo governo terá de lidar imediatamente com os efeitos da crise econômica. Em 2015, o PIB registrou queda de 3,8%, na maior recessão desde 1990. O impeachment não debela a crise por si só e o novo presidente se verá envolto em reformas impopulares.
A aprovação na Câmara deixa Dilma mais perto de se tornar a segunda presidente do Brasil a perder o mandato num processo de impeachment, pondo fim a um ciclo de 13 anos de PT na Presidência da República. Antes de Dilma, apenas Fernando Collor de Mello enfrentou a abertura de um processo de impeachment, em 1992.
Por que a decisão da Câmara foi importante#

Muitos consideram a votação do plenário da Câmara decisiva por que cria um clima de inevitabilidade do impeachment. Em 1992, na votação do caso Collor, o caso foi praticamente selado ali. Antes que o Senado, a quem cabe a palavra final, realizasse o julgamento, Collor renunciou (foi punido mesmo assim com inegibilidade de oito anos).
Dilma tem dado demonstrações de que a renúncia não é uma opção. A presidente afirmou reiteradas vezes que vai lutar até o fim pelo mandato.
Em 11 de março, respondendo a rumores de que estava resignada e abatida, disse: “Ninguém tem o direito de pedir a renúncia de presidente legitimamente eleito sem dar elementos comprobatórios de que eu tenha, de alguma forma, ferido qualquer inciso da Constituição”. A presidente brincou com jornalistas, pedindo que testemunhassem que ela não tem “cara de quem vai renunciar”.
“O governo da presidenta Dilma, ao reconhecer essa derrota provisória, não significa dizer que a luta terminou. A guerra não terminou. Na verdade [a decisão da Câmara], é uma autorização que vai ao Senado para ser discutida”
José Guimarães (PT-CE) – Líder do governo na Câmara dos Deputados
“O pedido de impeachment agora chega ao Senado, e mais uma vez a força dos brasileiros haverá de fazer a diferença. Vamos dar ao Brasil uma nova chance! Pelo impeachment constitucional da presidente da República e por um Brasil diferente, honrado e decente!”
Aécio Neves (PSDB-MG) – Senador da República
O que acontece agora#
Agora, o processo de impeachment vai para o Senado. Essas são as etapas seguintes de tramitação no Congresso:
- Comissão de admissibilidade
Produz parecer recomendando ou não a continuidade do impeachment no Senado.
- 2. Plenário do Senado
Decide por maioria simples (metade mais um dos votos dos senadores presentes) se o processo de impeachment será instaurado ou não.
- 3. Plenário do Senado, novamente
Julga, por maioria de dois terços, se Dilma será ou não destituída do cargo.
Se mais da metade dos senadores decidirem instaurar o processo de impeachment – na segunda das três etapas – Dilma já passa a aguardar o julgamento afastada por um prazo de até 180 dias, período no qual o vice assume temporariamente.
Se a sentença final confirmar essa decisão, na terceira e última etapa, Temer é empossado e Dilma perde o direito de exercer qualquer função pública pelo prazo que os senadores determinarem na sentença.
A que Dilma vai se apegar#
Debate para antecipar eleições
Petistas avaliam uma campanha nacional em apoio à uma (PEC) Proposta de Emenda à Constituição para convocar novas eleições. A proposta de defender abertamente a antecipação do pleito não é consenso, mas voltou a ser discutida por integrantes do PT e do governo federal, segundo reportagem do jornal “Folha de S.Paulo” deste domingo (17). Convocar novas eleições, no entanto, esbarra em entraves jurídicos e políticos.
A proposta petista é uma reação à derrota na Câmara e a um eventual governo Michel Temer, que, para lideranças do PT, não tem legitimidade. Não há definição se a campanha pela PEC, se ocorrer, começa agora ou aguarda os desdobramentos do processo do impeachment no Senado.
A busca por apoio no Senado

Se decidir enfrentar o processo até o fim, o governo tentará renovar os esforços em busca de apoio dos senadores. Desde o início do trâmite do processo de impeachment, o Planalto considera o Senado uma Casa menos hostil que a Câmara.
O presidente, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), não é tido como um aliado incondicional do governo, mas, pelo menos, não é inimigo declarado, como o presidente da Câmara foi até agora.
Renan terá papel importante em todas as etapas – da formação da comissão de admissão ao julgamento final. Ele pode influenciar o voto dos demais senadores e regular o trâmite do processo na Casa.
A possibilidade de questionamento no Supremo

O governo já tentou, sem sucesso, anular o impeachment apelando ao Supremo. Um dos argumentos foi o cerceamento do direito de defesa. A reposta dos ministros foi a seguinte: quem julga é o Senado e, portanto, é lá que se dá, realmente, a defesa.
Ainda no dia da votação do impeachment na Câmara, o Supremo rejeitou três ações de deputados que tentavam impedir que o processo seguisse adiante.
Como a Advocacia-Geral da União continua vendo vícios no processo desde sua instauração, não está descartada a possibilidade de que entre com um novo mandado de segurança contra o impeachment.
A pressão contra o impeachment nas ruas

Além de reforçar a articulação política no Senado e de manter aberta a possibilidade de novos questionamentos jurídicos ao processo no Supremo, o governo não deverá descuidar da mobilização nas ruas.
Um dos coordenadores do MST, Alexandre Conceição avisou, ainda em março, que um eventual governo Temer “não vai ter paz”. O líder sem terra prometeu “ficar o tempo que for necessário” nas ruas. Por esse lado, é provável que a mobilização seja mantida durante a votação no Senado.
A derrota na Câmara pode, por outro lado, desmobilizar parte da militância que considere difícil reverter a onda pelo impeachment, que tende a crescer na reta final do processo.