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Celebração das ‘canoas de alumiação’ mostra fé cabocla em Novo Airão

A vocação fluvial do amazonense encontra, no Município de Novo Airão (a 115 quilômetros de Manaus), uma das suas maiores manifestações de fé e religiosidade. Sempre no sábado à noite, que antecede a celebração de Pentecostes os fieis interioranos rendem homenagem ao Divino Espírito Santo lançando velas acesas em pleno rio Negro, em gratidão às graças alcançadas, em um ritual conhecido como “canoas de alumiação”. No último final de semana, essa bela e singela celebração da fé cabocla amazonense foi o ponto alto dos festejos ao Divino.

A romaria desses caboclos de fé mantém cada vez mais acesa a tradição que vem sendo passada de pai para filho em Novo Airão, mesmo que, incrivelmente, sem muito alarde. Organizada pelos moradores e membros da Paróquia de Santo Ângelo, a celebração nas águas do rio Negro é o ponto alto dos festejos em honra do Divino Espírito Santo em Novo Airão.

 O calendário de eventos começou na última quinta-feira e encerrou-se ontem, com a derrubada (popular derrubação) dos mastros erguidos pelos fieis em agradecimento às graças recebidas.

Emoção

Os romeiros projetam que foram lançadas ao rio cerca de 1 mil velas, por meio de três embarcações e uma quarta trouxe a imagem do Divino. Num desses barcos estavam as irmãs Elisângela e Etiene dos Santos. Emocionadas, ambas disseram que estavam perpetuando a tradição iniciada com o avô já-faleciedo delas, chamado Aleixo Joaquim.

Etiene, inclusive, disse que o avô foi o primeiro a iniciar procissão fluvial com as velas colhendo cuias de plantas nos lagos e soltando no rio Negro. “Aqui estamos demonstrando nossa fé pela promessa que foi feita pelo nosso avô. É um momento de agradecer ao Divino”, comentou Etiene.

Noutro barco estava o professor Alberto Pacheco, 33, e seus familiares. “Aqui, no rio, ao lançar as velas, estamos relembrando a tradição do Divino, e é momento de agradecer e renovar os pedidos e as promessas que passam de pai para filho. E também é a renovação da nossa cultura”, comentou ele.

Tradição

A origem da tradição é incerta, mas cogita-se que venha antes da fundação do próprio município. Outra versão é que tenha começado na comunidade do Aracari, também em Novo Airão.

“Não temos uma explicação específica sobre como começou esse ato da iluminação. A origem da coisa ficou meio perdida no tempo. Mas devido às músicas que ficaram para nós cantarmos, acreditamos que lançar as velas no rio tem relação com a pesca, por São Pedro

ter sido pescador, essa coisa dos apóstolos. Um trecho dos nossos versos diz: ‘Os anjinhos vão remando / São Pedro é mestre-piloto’. É como se fosse uma romaria nas águas”, comenta Otoniel Gomes Batista, mais conhecido como “Charel”.

Um dos responsáveis por manter a tradição do festejo, Charel empresta seu terreno, localizado na rua Presidente Vargas, herdado dos pais já falecidos – Marciano Batista da Redenção e Naíde Gomes da Redenção -, para as cerimônias de louvor e adoração ao Divino. O local é chamado de “Casa de Festejos”.

Divino e Santíssima Trindade

Na quinta, por volta de 18h, na “Casa de Festejos”, a programação iniciou com a “levantação dos 13 mastros” com frutas, brinquedos e utensílios, seguida de louvor para coroar os “festeiros”, ou “foliões”, como são chamados os participantes da festa. No mesmo dia, houve romaria até a igreja de Santo Ângelo com celebração de uma Santa Missa, encerrando novamente na Casa de Festejos, onde foi servido chocolate quente aos presentes.

Na sexta-feira 13 aconteceu a “Alvorada do Divino”, com visita da imagem consagrada ao Divino Espírito Santo visitando as casas de moradores sorteados previamente. No sábado, às 6h e 12h houve louvor e, às 17h, procissão pelas ruas da cidade, com a imagem visitando novamente os devotos e louvando próximo ao porto de Novo Airão.

Às 18h30, houve a celebração das canoas de iluminação seguida de missa na igreja de Santo Ângelo e cantoria na Casa de Festejos.

No domingo, também no mesmo local, ocorreu o sorteio dos festeiros do próximo ano, e depois almoço. Já na segunda, com a presença de todos os fieis, houve a derrubada dos mastros, conclamando os participantes a participarem de mais uma momento religioso do município: a festa da Santíssima Trindade!

Erguer mastros de madeira representa pagamento de promessa dos fieis

Erguer um  mastro em homenagem ao Divino representa o pagamento de uma graça alcançada por meio de promessa. Neste ano, 13 deles foram erguidos por devotos na área conhecida como “Casa de Festejos”, que é o local onde os fieis se concentram para esse tipo de festejo em Novo Airão. Cada mastro é ornado com brinquedos, alimentos e frutas e pode custar até R$ 1 mil ao pagador.

Geralmente, a cura de uma enfermidade ou solução para um problema é pedida para o próprio fiel ou algum familiar ou conhecido. No caso do técnico-agrícola Manoel Santana,  55, a súplica foi dupla.

Há 1 ano, ele pediu ao Divino que curasse um amigo seo, chamado Manoel Victorino, que estava ficando cego. “Eu pedi que, se o Divino desse a visão novamente ao meu amigo, que eu levantaria um mastro em prol de pagamento da promessa da graça alcançada. Há 20 dias soube que ele estava bem, enxergando. Não está 10% porquê sofreu um AVC.  Paralelamente, pedi que meus negócios prosperassem. E as coisas estão dando certo”, conta ele.

Organização dos festejos tem ‘foliões’ e ‘imperadores’

Na celebração do Divino Espírito Santo em Novo Airão todos são fieis, adoradores e romeiros, enquadrando-se na categoria de “foliões da festa”. No entanto, há uma espécie de hierarquia onde, anualmente, são escolhidos, em sorteio, três moradores para coordenar as atividades da celebração: Francisco Santana (denominado 1º Folião), Pedro da Silva (2º Folião responsável pela marcação rítmica durante a procissão realizada no último sábado) e Otoniel Gomes Batista (3º Folião e um dos moradores de Novo Airão que ajudam a perpetuar a tradição).

Outro concorrido sorteio, realizado sempre no domingo de Pentecostes, define outro grupo: a de imperadores do mastro (responsáveis por içar os mastros propriamente ditos e patrocinados pelos pagadores de promessas), e da festa (que buscam recursos para a produção das velas para a alumiação e alimentos para o tradicional almoço que é realizado no domingo de Pentecostes) além dos mordomos (que executam funções como tesoureiro e confecção de estandartes, entre outros afazeres). Cerca de 90% do que é utilizado na festa é custeado pelos próprios fieis, com 10% vindo de doações.

Uma das imperatrizes da festa, a professora Maria Gracy Santana Gomes não escondia a satisfação de colaborar com a Festa do Divino diretamente para comprar os materiais para o almoço dominical.

Moradora de Manaus, mas filha de Novo Airão, ela disse que atuar na produção do evento representa “uma verdadeira alegria e demonstração de fé”. “Eu nasci nessa festa, e produzir tudo isso e ver o resultado nas águas nos deixa muito contentes. É a demonstração da nossa fé para com Deus”, explica ela.

BLOG: Otoniel Batista, morador de Novo Airão

“A celebração ao Divino Espírito Santo é um ato de muita fé. Além de sabermos que o Espírito Santo é Deus, é a terceira pessoa da Santíssima Trindade, o festejo, a tradição, simboliza tudo isso que vocês estão vendo por aqui. Os mastros, por exemplo, são a prova dos milagres que as pessoas recebem mediante seus pedidos. Eu próprio tenho um mastro levantado por uma promessa feita ano passado, após eu ter sofrido um infarto. Fui para Manaus e fizeram uma promessa para interceder por mim. Eu recuperei rápido, ainda tenho um cateterismo para fazer, mas com a fé que eu tenho parece que não senti nada. E daqui pra frente vou levantar sempre um mastro em louvor ao Divino. Essa festa representa tudo isso, e, apesar de ser uma tradição antiga e muitas pessoas acharem que tem pouco valor, para nós tem muito valor. Aqui na comunidade es

tamos incentivando às crianças, desses valores. Os nossos jovens gostam dessa tradição, da Alvorada, da canoa de alumiação, dos milagres que acontecem, das músicas. Há muitas pessoas querendo participar e temos fé que tão isso não vá por água abaixo”.

Em números

115 quilômetros É a distância em linha reta do Município de Novo Airão para Manaus. Localizado à margem direita do rio Negro, tem uma população estimada em 17.000 habitantes (IBGE/2015).

do acritica

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