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Criada pelo mesmo dono, empresa que antecedeu a Umanizzare no Compaj foi inabilitada para licitação

O presídio do Amazonas palco de um massacre de 56 detentos vem sendo administrado ao menos desde 2011 por empresas criadas pela mesma pessoa, Luiz Gastão Bittencourt da Silva, atual presidente da Federação do Comércio do Ceará (Fecomercio), segundo documentos obtidos pelo G1. A primeira empresa, a Auxílio, foi impedida de participar de licitações em 2013 em razão de dívidas trabalhistas. E a segunda, a Umanizzare, assumiu no ano seguinte e é a atual administradora do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus.

O nome de Luiz Gastão não aparece nos documentos públicos mais atuais da Umanizzare. Questionada há uma semana pelo G1, a Umanizzare não diz quem são seus donos (como é uma sociedade anônima, a lei não a obriga a fazer isso).

Em nota, Luiz Gastão afirma que participou apenas da criação da Umanizzare e que não há nenhuma relação comercial entre ela e a Auxílio. No texto, o empresário informa que tem contribuído com a Umanizzare como “membro do conselho consultivo” (leia a íntegra da nota ao final desta reportagem).

Nessa mesma nota, Gastão não fala sobre as dívidas trabalhistas que impediam a Auxílio de participar de licitações. A Auxílio foi incluída em 2013 em um cadastro que a barrava em licitações e, em uma consulta feita na semana passada, ainda estava na lista.

Entre 2013 e 2014, a Auxíliio deixou a gestão dos presídios para os quais era contratada, entre eles o Compaj. Em 2014, começou a valer o contrato da Umanizzare no Compaj.

A Umanizzare foi criada em 2011 e, numa concorrência pública feita pelo governo de José Melo (Pros) em 2014, foi contratada para administrar o Compaj inicialmente de 1º de junho de 2014 a 1º de dezembro de 2016, prazo depois prorrogado para dezembro de 2017, de acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas (Seap-AM).

Também em 2014, a Umanizzare ganhou outra licitação, para gerir por 27 anos, prorrogáveis até 35 anos, os presídios do Amazonas. Ela participou do consórcio Pamas – Penitenciárias do Amazonas, junto com a LFG Locações e Serviços, candidato único na concorrência e vencedor do contrato que prevê um pagamento de R$ 205 milhões. Segundo o procurador do Ministério Público de Contas Ruy Marcelo Alencar de Mendonça, que está analisando os contratos das empresas que administram os presídios, esse contrato não começou a ser executado (ou seja, ainda não saiu do papel).

Procurados desde a tarde do dia 11, o governo do Amazonas e a Umanizzare não se manifestaram até a última atualização desta reportagem.

Em nota enviada na semana passada a respeito de outra reportagem, a Umanizzare informou ser uma empresa sediada em São Paulo, sendo uma sociedade anônima que tem gestão corporativa e que “segue as melhores práticas de governança do mercado, conforme as regras das S.As, com direção e corpo executivo profissionalizados”

As empresas controladoras da Umanizzare e suas representantes legais, conforme a nota, nāo atuam na gestão direta da empresa, que fica a cargo de uma diretoria executiva constituída para esse fim. Disse também que a empresa possui mais de 50 colaboradores diretos na central de Sāo Paulo e cerca de 2 mil funcionários espalhados nas unidades cogeridas por ela no Brasil. “O modelo societário escolhido para a Umanizzare visa preservar, pela característica da sua atividade empresarial, a segurança de seus sócios e da sua direção”, informou a nota.

Segundo informações do Portal da Transparência divulgadas pela GloboNews, a Umanizzare recebeu R$ 809 milhões em contratos com o governo do Amazonas entre 2013 e 2016. A Auxílio recebeu R$ 298 milhões entre 2010 e 2015.

No site da Fecomércio-CE, Luiz Gastão se apresenta como “empresário do setor de serviços, atuando em empresas de asseio, conservação, segurança e administração presidiária”. Além de presidir a Fecomércio, o site indica que ele é vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e membro dos conselhos da Federação Brasileira das Empresas de Asseio e Conservação (Febrac) e dos conselhos nacionais do Sesc e do Senac.

Em resumo:

Ao longo dos últimos dez dias, a equipe de reportagem do G1 pesquisou documentos em Juntas comerciais, diários oficiais e outros órgãos públicos que revelam que:

  • A Umanizzare foi constituída em 1º de setembro de 2011, em Goiás. Segundo papéis apresentados à Junta Comercial local, a empresa tinha como sócios a Auxílio, sociedade de Luiz Gastão com César Marques de Carvalho, e Rousilene Correa de Carvalho
  • Em 1º de dezembro de 2011, três meses depois de aberta, a Umanizzare passou a administrar os dois primeiros presídios, ambos em Tocantins
  • As prisões do Amazonas começaram a ser geridas pela firma em 2013 e em 2014, ainda de acordo com a página da Umanizzare. Hoje, são 8 prisões: 6 em AM e 2 no TO
  • Em 2016, a Umanizzare se mudou para SP. Nem Auxílio nem Luiz Gastão estão entre os atuais administradores ou diretores relacionados à Umanizzare nos documentos da Junta Comercial de São Paulo
  • Também em 2016, a empresa mudou de sociedade limitada para sociedade anônima. Como S/A, a responsabilidade legal é dos diretores, e a empresa não é obrigada a divulgar os nomes dos acionistas
  • Segundo ficha na junta comercial, Regina Celi Carvalhaes de Andrade, de Goiás, é apontada como diretora executiva e Arleny Oliveira de Araujo, do Ceará, como diretora financeira; Arleny vive em uma casa modesta no centro de Fortaleza
  • A ficha na junta comercial também indica que o capital social da Umanizzare é de R$ 62 milhões

Não está claro, nos documentos obtidos pelo G1, em que momento a Auxílio deixou oficialmente a participação na Umanizzare.

Dívidas

Uma decisão da Justiça do Trabalho em São Paulo de 2013 determinou a inclusão da Auxílio no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, do Tribunal Superior do Trabalho. Por lei, quem está nesse cadastro não pode participar de licitações. Consulta feita nesta semana à base de dados mostra que a Auxílio ainda impedida de concorrer por conta dessa e de outras dívidas trabalhistas.

O G1 perguntou a Luiz Gastão se o impedimento decorrente de dívidas trabalhistas aplicado à Auxílio foi o que motivou a participação da Umanizzare, em vez da Auxílio, na concorrência de 2014. O empresário, entretanto, não respondeu.

O presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Amazonas, Rocinaldo Silva, diz que “são sempre os mesmos proprietários destas empresas que vem sempre mudando a razão social [para gerir as prisões] e o governo não faz nada enquanto eles fazem um desserviço para a sociedade sem o mínimo de qualidade”.

Segundo especialistas consultados pelo G1, é comum que empresas impedidas de participar de licitações criem novas companhias para continuar a participar de concorrências.

O governo do Amazonas não respondeu se sabia da relação entre Umanizzare e Auxílio com Luiz Gastão Bittencourt da Silva quando houve a concorrência para a administração das prisões.

Mas cabe ao governo investigar o histórico da empresa interessada, de modo a evitar que “empresas com problemas anteriores com a Administração sejam contratadas, mesmo que constituída sob um novo CNPJ”, segundo o advogado Henrique Mottecy Veras, coordenador do núcleo de licitações do escritório Nelson Willians & Advogados Associados.

Consultado a respeito, ele disse não ver problemas na licitação, mas sim “falta de zelo da administração em garantir a eficácia da contratação, não preservando o interesse público, que é a finalidade de toda licitação”.

Multas e advertências

A Auxílio sofreu advertências e foi multada diversas vezes pelo governo do Amazonas durante o período em que administrou presídios no estado, segundo os registros oficiais.

Em uma dessas ocasiões, a empresa foi penalizada em R$ 202 mil (em valores atualizados), acusada de causar uma rebelião em 24 de setembro de 2009 no Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat). Hoje, a prisão é administrada pela Umanizzare.

De acordo com o extrato da multa publicado no Diário Oficial do Estado do Amazonas, a rebelião “foi motivada pelo reiterado descumprimento do contrato” firmado entre o governo e a Auxílio, “que culminou na perda do controle dos ânimos do Ipat”.

O empresário Luiz Gastão afirma que todas as multas “foram devidamente quitadas” em agosto de 2014.

Doação ao governador

Segundo reportagem do jornal “O Globo”, Luiz Gastão doou R$ 1,2 milhão à campanha do governador José Melo, por meio da empresa Serval Serviços e Limpeza. A Auxílio doou mais R$ 300 mil.

Em nota, Gastão diz: “Todas as doações pessoais, ou por empresas das quais Luiz Gastão participa estão registradas nos tribunais eleitorais. Os atos respeitam a legislação brasileira, são legais, públicos, notórios e declarados regularmente”.

Luiz Gastão Bittencourt da Silva, presidente da Fecomércio-CE (Foto: Divulgação)

 

Leia a íntegra da nota de Luiz Gastão Bittencourt da Silva

Luiz Gastão Bittencourt da Silva é empresário do setor de serviços há mais de 30 anos. É sócio da “Auxílio Agenciamento de Recursos Humanos e Serviços” e “Serviarm Serviços de Vigilância”.

O empresário Luiz Gastão Bittencourt já acumulava experiência na área de terceirização de serviços. A partir da observação do amadurecimento do mercado brasileiro na gestão privada em presídios, o empresário decidiu ingressar no segmento.

Em 2001, o empresário participou da criação da Conap, segunda empresa brasileira a atuar no setor. Em 2008, a companhia modificou sua razão social para Auxílio, permanecendo com o CNPJ inalterado. Sob o novo nome, a empresa continuou atuando em cogestão de unidades prisionais.

Em 2011, o empresário optou por deixar o segmento de administração de presídios e, devido a sua experiência acumulada, participou apenas da criação da Umanizzare, por meio da Auxílio.

Ressalve-se que a Auxílio deixou completamente o segmento de co-gestão prisional. Hoje, atua exclusivamente na prestação de serviços terceirizados. A empresa não tem qualquer relação comercial ou societária com a Umanizzare, para a qual o empresário tem contribuído como membro do conselho consultivo, devido à sua relevante experiência técnica de mais de 10 anos na área.

A respeito das multas citadas pela reportagem do G1, aplicadas pelo governo contra a Auxílio, informamos que todas foram devidamente quitadas, conforme documento anexo.

Todas as doações pessoais, ou por empresas das quais Luiz Gastão participa estão registradas nos tribunais eleitorais. Os atos respeitam a legislação brasileira, são legais, públicos, notórios e declarados regularmente.

Contrato de 2014 entre governo do Amazonas e Umanizzare específico para a gestão do Compaj (Foto: Reprodução/G1)
Contrato firmado pelo governo do Amazonas com o Consórcio Pamas, do qual Umanizzare faz parte (Foto: Reprodução/G1)
Registro de inclusão da Auxílio no Banco Nacional de Devedores Tributários, em 2013 (Foto: Reprodução/G1)
Certidão de inclusão da Auxílio, criadora da Umanizzare, em base de dados de devedores trabalhistas (Foto: Reprodução/G1)
Multa aplicada à Auxílio por, segundo governo, contribuir com rebelião em 2009 (Foto: Reprodução/G1)
Documento na Junta Comercial de São Paulo que mostra os atuais responsáveis pela Umanizzare; como sociedade anônima, ela não é obrigada a revelar os acionistas (Foto: Reprodução/G1)

Do g1

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