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“Quanto melhor estiverem os refugiados, mais seguros estamos todos nós”

Teresa Tito Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados (CPR) é a entrevistada de hoje

Assinala-se hoje o Dia Mundial do Refugiado. Ao todo, Portugal acolheu 1.347 refugiados, homens, mulheres e crianças que deixaram nos seus países toda uma vida reduzida a pó e que almejam paz noutro lugar. Aqui chegados, e encontrada paz e segurança, muitos são os acabam por sair.

Portugal parece ser para uma boa parte dos refugiados uma ponte para outros países europeus. Mas isso, lembra Teresa Tito Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados, não diminui a missão e o dever de os receber. “É um dever ético e moral”, disse em entrevista ao Notícias ao Minuto, onde lamentou que a Europa esteja lentamente a preferir ignorar o drama dos refugiados, reduzindo quotas e apertando cada vez mais as fronteiras.

No que diz respeito aos refugiados recolocados, apesar da União Europeia dizer que estamos a cumprir e que não há falhas, recebemos poucos refugiados, cerca de um décimo daquele que era o objetivo que tínhamos prometido. Já poderíamos ter acolhido muitos mais?

Sim. Penso que que este ritmo é imposto pela Comissão Europeia. Portanto, Portugal não fica alheio a esse número de chegadas tão reduzido que não é só para Portugal com é também para os outros países europeus. Daquela promessa de 160 mil, que os Estados-membros podiam acolher em dois anos, baixou para 33 mil. Proporcionalmente, Portugal também ficou com um número relativamente baixo. A Comissão Europeia diz que estes migrantes não são elegíveis, mas parece-me que é muito mais uma falta de vontade política que continua a haver da parte dos vários Estados europeus que querem matar politicamente a quota a que se comprometeram.

Não podemos deixar de estar chocados pela falta de solidariedade com que a Europa continua a ver o problema dos refugiados

A que países se está a referir?

Eslováquia. Recordo-me das declarações do primeiro-ministro eslovaco. Mas, naturalmente, da Hungria, da Croácia, de países ali na zona dos Balcãs, e também necessariamente de outros que já receberam muitos, como a Alemanha, Suécia, Dinamarca, países que a partir de uma certa altura fecharam a torneira. Há países que ainda não acolheram ninguém.Os países que ainda não receberam ninguém (Áustria, Hungria, Polónia) estão a pôr em causa todos os acordos que foram celebrados no sentido de uma partilha de responsabilidades entre Estados-membros para aliviar a pressão migratória quer na Grécia, quer em Itália. De facto, simultaneamente, também as políticas de controlo de fronteiras têm sido cada vez mais apertadas. Sente-se também no seio da Comissão Europeia e nas decisões de reverem os principais tratados e convenções europeus no sentido de cada vez mais se fecharem e apostarem na chamada externalização do problema. Com o acordo da UE e da Turquia, isso é notório. E também pretendem fazer um acordo parecido com a Líbia. Se bem que da Líbia em direção a Itália houve um aumento de chegadas com muitas perdas no Mediterrâneo, porque é um trajeto muito complicado. Aumentou o fluxo migratório do mediterrâneo oriental.

Apesar desse aumento do fluxo migratório, a Europa tende, num futuro muito próximo, a preferir ignorar e fechar os olhos a estas situações?

Lamentavelmente, penso que sim. E, de facto, não podemos deixar de estar chocados pela falta de solidariedade com que a Europa continua a ver o problema dos refugiados.

É como se o problema fosse só deles e não nosso…

Exatamente. Como se não nos atingisse. E, portanto, os egoísmos nacionais têm tido como consequência uma atitude cada mais restritiva da Europa.

Destes quase 1.400 que chegaram, diria que cerca de 38% já abandonaram o país.

Aqui, em Portugal, como é que tem decorrido a integração dos refugiados?

Portugal tem os mecanismos necessários e os dispositivos legais que permitem um bom acolhimento destas pessoas, se bem que, naturalmente, se encontra fragilidades aqui e ali, dado que a extensão dos lugares de acolhimento no nosso país é grande, vai de Norte a Sul. Há regiões mais ou menos preparadas, mais ou menos conhecedoras, mas há, de facto, um esforço da sociedade civil, das autarquias que é de louvar e que do qual nos podemos orgulhar.

No entanto, deparamo-nos com algumas dificuldades. Nomeadamente, na fixação das pessoas. Destes quase 1.400 que chegaram, diria que cerca de 38% já abandonaram o país. O que significa que não tinham a intenção de ficar em Portugal, mas sim aproveitar como local de passagem para depois se dirigirem a outros países onde têm mais referências e onde sentem que têm mais garantias de reorganizar as suas vidas.

Esse é um problema que existe, que não podemos escamotear, mas não deve ser motivo para que as pessoas que ficam e que precisam não devam continuar a ser acolhidas. Não deve isso motivo para interromper o programa. Daí que as pessoas que ficam, umas com um pouco mais instabilidade devido aos traumas que trazem, traumas psíquicos, com reações que podem ser um pouco mais descontextualizadas, acabam por depois entender e estamos todos empenhados na procura de soluções que têm a ver com os planos de integração locais que passam pela aprendizagem da língua , a empregabilidade e, muito particularmente, os cuidados médicos que são necessários, e também pela preparação das escolas para receberem as crianças refugiadas. Tem sido um processo que, felizmente, tem corrido bem.

A parte da integração e da empregabilidade, há casos de recolocados que já estão a trabalhar, e ainda bem que estão, mas é um processo que leva mais tempo, porque passa pela aprendizagem da língua e não só, também pela recolocação das pessoas em zonas onde são necessárias, e que também elas aceitam. Refiro-me particularmente à área da agricultura, serviços e noutras áreas que têm que ser descobertas. Apostamos também muito na formação profissional dos jovens para que eles rapidamente se possam autonomizar.

Relativamente aos que vão embora, avisam antes de ir ou simplesmente desaparecem do vosso radar?

Às vezes indiretamente expressam essa vontade. Mas não dizem naturalmente o dia e a hora em que se vão embora porque isso poderia impedir a saída. Mais tarde, se são localizados fora, como já aconteceu, podem ser obrigados a regressar. Aconteceram três ou quatro casos de refugiados que foram encontrados em França e na Holanda e que já regressaram. Mas explicam que gostariam de sair. Trata-se muitas vezes de divisões das famílias e que sentem mais segurança estando noutro sítio. E depois, naturalmente, têm alguns contactos de pessoas que os levam a sair do país.

Se se gera uma insegurança à volta dos refugiados, também ela pode ter consequências negativas para as populações que vivem perto.

Quando se fala em acolher refugiados, existe muito aquele argumento/crítica de “com tantas pessoas a precisar de ajuda em Portugal, tantos sem-abrigo, como é que se vai agora dar casa a refugiados”. Como é que podemos explicar o dever, a missão que temos em ajudar aqueles que fogem da guerra?

Acho que todas as pessoas devem ter valores e princípios que tenham em conta o ajudar os outros e perceber o fenómeno das migrações, dos refugiados, e sentir que se lhes acontecesse a elas, se de repente se se vissem completamente em risco de vida, com as casas destruídas, sem trabalho, sem lar e presenciando o terror… se lhes acontecesse também gostariam que outros pudessem ajudá-los a recompor-se e a refazer as suas vidas. Isto é uma obrigação ética, moral das sociedades que têm de ter esses valores em conta.

O estado de saúde das democracias é um retrato de como elas defendem os direitos humanos e como é que podem, no fundo, construir um mundo melhor e mais harmonizado. E perante esta imposição ética e moral, as sociedades têm que perceber que quanto melhor estiverem os refugiados, do ponto de vista do acolhimento e da sua segurança, mais seguros estamos todos nós. Se se gera uma insegurança à volta dos refugiados, também ela pode ter consequências negativas para as populações que vivem perto. Esta noção de que a nossa própria segurança depende também muito da segurança dos refugiados, e das condições que lhe pudermos dar para terem uma vida com dignidade, é uma necessidade premente, é um princípio básico das civilizações atuais.

Há ainda o medo de que no meio dos refugiados estejam potenciais terroristas?

Mas nós não estamos alheios a esse medo. Porque os potenciais terroristas podem viver já há vários anos numa casa ao lado da nossa, com uma vida completamente normal e nada suspeita, mas que no fundo estão a radicalizar-se e a integrar redes que têm esses objectivos. Temos que ter sempre bem presente que estes refugiados, homens, mulheres, crianças, famílias, fogem desse mesmo terror e desses mesmos receios. As bombas não só rebentam em Londres como rebentam também na Síria onde destroem tudo. As imagens que a comunicação social mostram todos os dias ilustram muito bem onde é que rebentam as bombas.

As pessoas que vêm de um cenário desses, quando chegam aqui estão psicologicamente bastante afetadas?

Vêm com traumatismos e com necessidades médicas especiais a nível do foro psicológico mas também físico, como lesões na pele por causa dos estilhaços da guerra. Mas vêm com muita vontade de ter paz e de poderem dar um futuro aos filhos. Como têm muitas crianças, esses objetivos são muito visíveis e isso faz com que nós orientemos o nosso trabalho para criar essas condições que muitas vezes não são fáceis, porque há processos complicados e alguns atrasos a nível de documentações, ou de atrasos também na possibilidade de arranjar, por exemplo, um professor de português. Isto envolve um grande esforço para que vamos sempre melhorando.

A nossa missão é pressionar os governos, para que consigam ter uma agenda séria para a paz, que consigam evitar estas situações de terror e guerra que são o que espoleta todos os movimentos de refugiados

Já me disse que lamenta que os Estados-membros se estejam lentamente a afastar do princípio da solidariedade. O que é que acha que tem de acontecer para sensibilizar a União Europeia? Mais imagens como aquela do bebé morto a dar à costa?

Não. Eu gostaria que as pessoas se sensibilizassem de uma forma positiva e racional e não desejaria, de maneira nenhuma, que essas imagens se repetissem. São um atentado à dignidade humana. Temos de, através da informação, da formação em direitos humanos, sensibilizar as pessoas para as causas que existem e que têm de parar. O meu apelo é para a pacificação dos conflitos e não que se tornem mais acesos para impressionar os outros. A nossa missão é pressionar os governos, para que consigam ter uma agenda séria para a paz, que consigam evitar estas situações de terror e guerra que são o que espoleta todos os movimentos de refugiados, e que a sociedade de acolhimento vá sendo capaz de ser solidária, isso deveria ser parte da sua própria existência, e que contribuam para que o mundo seja melhor.

O que é que o Governo português pode fazer para acelerar este processo de recolocação de refugiados? 

Acho que pode continuar a fazer e a ter uma política generosa e de abertura quer para estes recolocados quer para muitos reinstalados que estão em países terceiros, como no Egito e na Turquia, que não fazem parte da UE. Portugal tem que continuar a dar provas de abertura e de generosidade e é este o apelo que faço. Que consigamos também ter meios financeiros para que possamos dar uma resposta a estas situações de risco. O nosso mote é sermos solidários com os refugiados. É esta vontade de despertar nas pessoas o seu lado mais solidário para que não voltem as costas aos refugiados. E nessa perspetiva, o CPR este ano vai homenagear as 20 autarquias que colaboram connosco de Norte a Sul do país, assim como o INATEL, para no auditório do centro de acolhimento da Bobadela estarem connosco a homenagear os refugiados e simultaneamente os municípios que tanto se têm dedicado ao acolhimento e à integração dos recolados.

Em que municípios há mais refugiados recolocados?

Há outras organizações que estão a trabalhar no terreno. Lisboa e Loures são as grandes autarquias que nos têm sempre ajudado com os nossos centros de acolhimento. Em Lisboa temos a casa da criança refugiada, e em Loures o centro de acolhimento da Bobadela. Mas, no âmbito da recolocação, é Guimarães e Sintra. São os dois municípios que têm mais. Mas temos vários quer na Santa Maria da Feira, no INATEL, Ourém, Idanha-a-Nova, Castelo Branco, Loulé, Barcelos, enfim, são municípios que também recebem duas, três famílias e que dão um contributo importante para a integração local destes refugiados.

Do NPM | por Melissa Lopes

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